Política

Governo Bolsonaro pagou R$ 260 por quilo de pescoço de galinha

O governo de Jair Bolsonaro comprou no ano passado pescoço de galinha superfaturado para indígenas na Amazônia. Sem licitação, o produto custou R$ 260 o quilo. As informações foram publicadas pelo jornal Estadão.

O valor é 24 vezes maior do que o preço médio de R$ 10,7 do mesmo item adquirido em outros contratos fechados no mesmo período pelo governo. Nas prateleiras de grandes redes de supermercados, a carne de pescoço pode ser encontrada por até R$ 5 o quilo.

Responsável pela aquisição do pescoço, a coordenação regional da Funai, a atual Fundação Nacional dos Povos Indígenas, no Rio de Madeira (AM), comprou também mais de uma tonelada de charque, maminha, coxão duro, alcatra e latas de presunto que nunca foram distribuídas entre as famílias das aldeias na época da pandemia da covid-19.

Na região onde a carne deveria ser distribuída, indígenas de recente contato, como os pirahãs, enfrentam fome e desnutrição. O atual comando da Funai e a gestão do órgão no governo Bolsonaro não se posicionaram sobre a compra.

Em uma série de reportagens, o Estadão revelou que o governo Bolsonaro comprou 19 toneladas de bisteca para o Vale do Javari (AM) que nunca foram entregues e gastou R$ 4,4 milhões para fornecer sardinha e linguiça aos indígenas yanomamis, contrariando orientação técnica e alertas do Ministério Público de que esse tipo de alimento não é apropriado e faz mal à saúde dos povos da região.

O pescoço de frango foi comprado para indígenas da etnia Mura e funcionários da Funai numa missão em Manicoré, na floresta amazônica. O gasto total com as aquisições de carne chegou a R$ 927,5 mil, entre 2020 e 2022. Deste valor, R$ 5,2 mil foram para adquirir o lote de 20 quilos de carne de pescoço a R$ 260 o quilo. Não há registros da entrega do produto nesse período. Com R$ 5,2 mil seria possível comprar meia tonelada de pescoço de galinha se o governo tivesse seguido o mesmo preço do produto pago em outros contratos, de R$ 10. Para efeito de comparação, o quilo da picanha em um dos maiores supermercados do País custava R$ 70 nesta segunda-feira, 15.

‘Carne ruim demais’

A empresa selecionada para vender a carne de pescoço, sem nenhuma concorrência, fica em Humaitá (AM) e tem como dono Herivaneo Vieira de Oliveira Junior, de 23 anos. Ele é filho de um ex-prefeito do município, que cuida do negócio. Herivaneo Vieira de Oliveira (PL) já foi preso por ataques a órgãos ambientais.

Por telefone, o ex-prefeito se recusou, em um primeiro momento, a dar explicações à reportagem e disse que não sabia de nada sobre a compra. “Eu não sei de nada, não”, disse, desligando o telefone quando questionado sobre o preço da carne.

Depois, ele retornou a ligação. Oliveira, então, desculpou-se e relatou que tudo foi entregue conforme as notas fiscais emitidas e os preços levantados pela Funai. No entanto, questionado sobre a explicação para ter vendido a carne de pescoço ao governo a R$ 260 o quilo, afirmou: “Carne de pescoço? Não existe isso aqui. Eu sei que é uma carne ruim demais”, disse. “Só pode ter sido um erro das notas de pagamento.”

Rei da Glória

Por sua vez, a empresa Loja do Crente Rei da Glória foi contratada para entregar as cestas básicas que deveriam ser destinadas às famílias com carnes diversas. Em 2020 e 2021, em plena pandemia, o governo comprou da mesma empresa 917 quilos de charque, 10.156 unidades de presunto enlatado, 84 quilos de coxão duro congelado e 120 quilos de maminha da alcatra.

Quando os indígenas abriram a cesta básica, só encontraram arroz, feijão, macarrão, farinha de milho, leite e açúcar. “A carne não chegou. Aquilo que era adquirido não chegava ao território. Eu fico até surpreso ao saber dessas informações”, afirmou Raimundo Parintintin, atual coordenador regional da Funai no Rio de Madeira. Na época das compras, quem comandava o órgão era o capitão do Exército Claudio da Rocha, nomeado pelo governo Bolsonaro.

Com a palavra

O atual comando da Funai e a gestão do órgão no governo Bolsonaro não se posicionaram sobre a compra. O empresário Samuel de Souza Matos, dono da Loja do Crente Rei da Glória, não respondeu à reportagem. Já Claudio da Rocha também não retornou aos contatos.

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