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Amazonas realiza 1ª cirurgia de redesignação sexual em trans e intersexo

Estudante trans pode se tornar a primeira dentista transexual do Amazonas

A estudante de Odontologia Emy Rigonatty, 26, está prestes a fazer história no Amazonas. Até o final de 2027, ela pode se tornar a primeira dentista transexual do estado, após passar pela cirurgia de redesignação sexual em agosto do último ano. O procedimento, que alinha a identidade de gênero com as características físicas, foi realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) durante um mutirão inédito no estado.

Emy foi uma das 22 pacientes atendidas no mutirão, realizado no Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV-Ufam), em parceria com o Ministério da Saúde e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). Tradicionalmente, o Amazonas não conta com um centro de referência para a redesignação sexual na rede pública, tornando o evento um marco na saúde LGBTQIA+ da região.

“Nunca houve esse tipo de cirurgia para pessoas trans e intersexo no estado. Eu fui uma das escolhidas entre centenas que aguardavam pelo SUS, e sou imensamente grata por essa oportunidade”, afirmou a estudante.

A jornada de Emy até esse momento não foi fácil. Durante a transição de gênero, ela enfrentou preconceito na faculdade, incluindo a recusa de ser reconhecida como mulher, além de desafios com o uso irregular de hormônios.

Mutirão inédito e impacto na população LGBTQIA+

O mutirão de cirurgias aconteceu de 27 a 31 de agosto de 2024 e beneficiou também três indígenas intersexo – pessoas que possuem características sexuais tanto masculinas quanto femininas. A ação foi um passo importante para garantir o reconhecimento de gênero a uma população historicamente invisibilizada.

Segundo os organizadores, a demanda na região Norte é alta, mas a ausência de centros especializados dificulta o acesso aos procedimentos. Sem atendimento local, muitos pacientes precisavam viajar para outras regiões do país, enfrentando dificuldades financeiras e riscos na recuperação.

“Detectamos essa demanda através da telemedicina, principalmente entre pessoas intersexo em condições adversas. Era uma fila invisível, porque ninguém sabia o quanto essas pessoas precisavam dessas cirurgias”, explicou Conceição Crozara, mastologista e chefe da divisão médica do HUGV/Ebserh.

Os pacientes do mutirão já recebiam atendimento no Ambulatório de Diversidade Sexual e de Gêneros da Policlínica Codajás, onde tinham suporte multiprofissional com ginecologistas, psicólogos, psiquiatras e fonoaudiólogos. Segundo Crozara, o ambulatório acompanha atualmente mais de 900 pessoas trans e intersexo no Amazonas.

Além das cirurgias, o evento também promoveu palestras e cursos de capacitação para profissionais da saúde na região, criando um legado para futuras iniciativas.

Critérios rigorosos e desafios enfrentados

O urologista Ubirajara Barroso Jr., professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e um dos médicos convidados para o mutirão, destacou que as cirurgias de redesignação sexual seguem critérios rigorosos.

“Esse é um procedimento irreversível, então é essencial garantir que os pacientes estejam preparados. Eles precisam ter mais de 18 anos, vivência no gênero que se identificam e acompanhamento psicológico contínuo para evitar arrependimentos”, explicou.

Apesar do impacto positivo do mutirão, a iniciativa enfrentou resistência em um estado conservador. Segundo a equipe médica, houve tentativas de desmoralizar o evento, espalhando informações falsas e questionando a alocação de recursos.

“Algumas pessoas alegaram que as cirurgias estavam tomando o lugar de outros procedimentos eletivos, o que não é verdade. Cada paciente tem sua prioridade, e tivemos que quebrar esse imaginário”, relatou Conceição Crozara.

Para Emy, a falta de apoio do governo municipal e estadual dificultou ainda mais o acesso à saúde da população LGBTQIA+.

“A Prefeitura de Manaus não se posicionou sobre o mutirão. Os pacientes buscaram apoio dos secretários de saúde, mas não houve ajuda para custear as cirurgias”, criticou.

A reportagem solicitou informações à Prefeitura de Manaus e à Secretaria de Estado de Saúde sobre a fila de espera para cirurgias de redesignação sexual e o envolvimento dos órgãos no mutirão, mas não obteve resposta até a publicação.

Esperança para o futuro

A realização do mutirão representa um avanço no acesso à saúde para a população trans e intersexo da região Norte. Isaac Lopes, 22, presidente da Associação Transmasculina do Amazonas (Atam), destaca que a iniciativa pode beneficiar outros ribeirinhos, indígenas e pessoas LGBTQIA+.

Isaac, que se identifica como homem trans desde os 14 anos, sonhava em realizar a mastectomia masculinizadora, mas esbarrava nas dificuldades do sistema público.

“Cheguei a duvidar que conseguiria essa cirurgia. O custo é alto, as filas do SUS são longas e os hospitais particulares são inacessíveis”, relatou.

Para ele, o avanço só foi possível graças à mobilização de profissionais de saúde e ativistas.

“O Amazonas é um estado muito transfóbico. Se o governo não garante nossos direitos, a solução é o movimento social se unir aos médicos para ampliar o acesso e garantir dignidade para nossa população”, concluiu.

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