Casos de abuso e trabalho análogo à escravidão ainda fazem parte da realidade atual
Em meio à popularidade do podcast “A Mulher da Casa Abandonada”, que traz à tona caso de trabalho análogo à escravidão envolvendo família da elite paulistana e uma empregada doméstica nos anos 80 e 90, se mostra recorrente a necessidade de divulgação dos direitos garantidos a esses trabalhadores.
O crime, que ganhou fama atualmente, ocorreu há 20 anos nos Estados Unidos, mas não é incomum que casos semelhantes sejam divulgados até os dias atuais aqui no Brasil. Dados do Ministério do Trabalho e Previdência informam que, entre 2017 e 2022, 46 trabalhadoras domésticas foram resgatadas de um cotidiano de abusos e serviço sem remuneração. Só em 2022 foram sete casos e, no mês de maio, repercutiu nacionalmente o caso de uma mulher de 86 anos resgatada no Rio de Janeiro após 72 anos sendo submetida a condições de trabalho criminosas.
Neste cenário, a ampla divulgação da legislação trabalhista, bem como saber onde é possível procurar ajuda, é imprescindível para combater casos de abusos como os citados.
De acordo com o professor do curso de Direito da Wyden, Luís Henrique Bortolai, o Ministério Público do Trabalho recebe denúncias e faz as apurações necessárias por meio de procedimentos internos. “Os empregados também podem buscar o sindicato da categoria e um advogado de confiança, que possa auxiliá-los caso a caso e nas peculiaridades da situação em questão”, explica.
A página da central de atendimento do Ministério do Trabalho e Previdência também conta com o telefone 158 para contato.
Direitos da categoria
Comemorado nesta sexta-feira, 22 de julho, o Dia Internacional do Trabalho Doméstico foi estabelecido há 95 anos, nos Estados Unidos, para valorizar a categoria que envolve não apenas a pessoa que cuida da limpeza e organização da casa.
No Brasil, apenas em 2013 com PEC das Domésticas, é que a categoria profissional de trabalhadores domésticos conquistou certa igualdade com os demais trabalhadores urbanos e rurais. Mas alguns direitos, como os relativos aos depósitos e multa do FGTS, só foram regularizados com a Lei Complementar nº 150/2015 (LC 150/2015), que estabeleceu o sistema Simples Doméstico (eSocial Doméstico) como obrigatoriedade legal a todos os empregadores domésticos.
De acordo com a legislação, entende-se por empregado doméstico aquele que presta serviços de forma contínua – por mais de dois dias por semana – de forma subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas. Dessa forma, profissões como cozinheira, babá, chofer, governanta, cuidadora de idosos, jardineiro, dentre outras, também podem estar incluídas na categoria.
Todos esses trabalhadores devem ser contratados, de forma obrigatória, com registro via assinatura de Carteira de Trabalho (CTPS), que é uma garantia para o empregado doméstico de direitos como o salário mínimo ou piso estadual, uma jornada de trabalho de até oito horas diárias ou 44 horas semanais, seguro contra acidentes de trabalho, hora extra, adicional noturno, pagamento de 13°, repouso semanal remunerado, férias, FGTS, vale transporte, seguro-desemprego, licença maternidade e outros benefícios.
Além disso, é vedado ao empregador efetuar descontos no salário do empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia, bem como por despesas com transporte, hospedagem e alimentação em caso de acompanhamento em viagem.
De acordo com o professor Bortolai, as penalidades para os empregadores que não cumprirem a lei são diversas, desde multas até proibição de contratação com órgãos públicos.
Segundo dados da Pnad Contínua do IBGE, no quarto trimestre de 2021, 76% dos trabalhadores desse ramo não possuíam carteira assinada. Na prática são quatro milhões de pessoas na informalidade, e as mulheres representam a maioria (92%).
Entretanto, é possível recorrer aos direitos perdidos durante os anos de trabalho que deveriam ter sido formalizados, com o pagamento das verbas trabalhistas nos últimos 5 anos, bem como o pagamento de indenização em caso de dano moral, se houver comprovação.
Para Bortolai, diversos pontos ainda podem ser aperfeiçoados nesta lei. “Toda legislação sempre merece um maior controle e fiscalização, seja pela sociedade, seja pelos órgãos competentes, como o Ministério Público do Trabalho. Realizar constantes apurações in loco e investigações válidas e relevantes se mostram ótimas formas de atuação na busca pela prevenção de problemas e casos de abusos de direitos”, finaliza o docente Wyden.