Juíza cita jurisprudência do STJ que preservou convivência entre animal e idosa
A juíza da Justiça Federal do Amazonas Jaiza Fraxe usou o Twitter nesta sexta-feira (21/04) após a repercussão do caso Agenor Tupinambá e a capivara Filó para relembrar o entendimento formado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitindo o convívio de animal silvestre em ambiente doméstico.
“Sobre o tema, o STJ já consolidou entendimento pela possibilidade de manutenção de animal silvestre em ambiente doméstico quando já adaptado e em especial quando as circunstâncias fáticas e a incerteza do destino não recomendarem a apreensão. Precedente: REsp. 1.389.418/PB. Não é tribunal de internet, é precedente jurisprudencial sendo seguido pela administração e desafogando o Judiciário. A paz, a razoabilidade, o bom senso e a redução da cultura do litígio são sinais de evolução do Direito em sociedade”, escreveu a magistrada.
O precedentes a que ela se refere foi noticiado no dia 16 de fevereiro de 2019, no portal do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Confira:
Ninguém tem certeza da idade nem da origem do papagaio, mas a relação entre ele e dona Izaura Dantas já tem mais de 20 anos. De acordo com alguns integrantes da família, Leozinho foi encontrado em João Pessoa no quintal de uma das sobrinhas de dona Izaura, que o deu de presente à tia, hoje com 95 anos.
Depois de tanto tempo juntos, um susto quase terminou em tragédia. Após uma denúncia anônima, em novembro de 2010, um fiscal do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apareceu na casa de dona Izaura, em Cajazeiras (PB), lavrou o auto de infração e ameaçou levar o papagaio.
Diante do ultimato, dona Izaura teve uma crise de pressão alta. “Me senti tão mal, tão mal, que até pedi um médico”, contou. Por conta da confusão, o fiscal disse que voltaria em 15 dias para apreender Leozinho.
Ciente de que a retirada do papagaio poderia afetar a saúde de dona Izaura, uma sobrinha procurou um advogado para entrar na Justiça com pedido de tutela antecipada.
Proteção da fauna
O pedido foi atendido pelo juiz de primeiro grau, mas o Ibama recorreu da decisão, alegando que a proteção da fauna brasileira é exigência da Constituição Federal e que o poder público deve adotar medidas para coibir o tráfico de animais silvestres.
Como foi comprovado que o papagaio, em todos os anos de convívio com dona Izaura, havia adquirido hábitos de animal de estimação, estava plenamente adaptado ao ambiente doméstico e não sofria maus-tratos, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) decidiu que a idosa poderia continuar com ele.
Inconformado, o Ibama recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) alegando que os animais silvestres mantidos em cativeiro irregular deveriam ser apreendidos e devolvidos ao seu habitat ou entregues a jardins zoológicos.
Presente maior
Em decisão monocrática proferida em junho de 2017, o ministro Og Fernandes rejeitou os argumentos do órgão ambiental e manteve a decisão do TRF5. O Ibama recorreu novamente, mas o recurso também foi negado, dessa vez pela Segunda Turma do tribunal.
Ao confirmar a decisão de Og Fernandes, a Segunda Turma assegurou à idosa residente na Paraíba o direito de manter o papagaio em sua posse.
“Fiquei muito satisfeita com a decisão do ministro. Foi um dos maiores presentes que recebi na vida: a permissão para ficar com Leozinho em minha casa para sempre”, afirmou dona Izaura.
Argumentos inoportunos
Para a jurisprudência do STJ, animais silvestres mantidos fora de seu habitat por longo tempo não devem mais ser retirados de seus donos.
Com base nesse entendimento, por unanimidade, o colegiado negou provimento ao agravo interno do Ibama, que questionava a decisão monocrática do relator alegando desvirtuamento da finalidade da legislação ambiental.
De acordo com a autarquia federal, a manutenção do papagaio com a idosa incentivaria a captura e o tráfico de animais no Brasil, por sugerir que o cativeiro de aves é um costume arraigado que merece ser preservado.
Em sua decisão, Og Fernandes rechaçou as alegações do Ibama. Disse que a decisão enfocou exclusivamente o caso concreto – examinado e decidido com base no direito aplicável e na jurisprudência consolidada no STJ.
Segundo o relator, o entendimento contrário à tese do Ibama “não autoriza a conclusão de que os institutos legais protetivos à fauna e à flora tenham sido maculados, tampouco que haja chancela ou mesmo autorização para o cativeiro ilegal de aves silvestres”. Para ele, os argumentos da autarquia são inoportunos e evocam debate alheio ao processo.
Precedentes
Og Fernandes disse que, após mais de 20 anos de convivência, Leozinho está totalmente adaptado ao ambiente doméstico. A finalidade da lei ambiental, acrescentou, é a proteção do animal.
O STJ já confirmou, em diversos precedentes, que a apreensão de qualquer animal não pode seguir exclusivamente a ótica da estrita legalidade – observou o relator.
O acórdão do TRF5, segundo ele, não se afastou desse entendimento quando, “diante da peculiaridade do caso concreto e em atenção ao princípio da razoabilidade”, decidiu que o papagaio deveria permanecer em ambiente doméstico.